Sendo o nome do blog Problematizando, eu não poderia deixar de abordar e problematizar um tema que, recentemente, me incomodou muito pela maneira como foi abordado em uma novela adolescente da rede Globo, malhação.

Como muitas de nós, mulheres, sabemos, e muitas com vivência, já que o tema acontece com frequência pela internet, a exposição de conteúdo íntimo acompanhado por chantagem emocional e violência psicológica é um conteúdo para se abordar na TV com muita profundidade, já que o material para discussão e esclarecimento é extenso.

Ou seja, eu fiquei muito animada quando vi de relance que o tema foi abordado em uma novela adolescente onde o público alvo é, em grande parte, dominado por meninas muito propensas a passar por esse tipo de violência e os resultados que isso pode causar no psicológico. E, desde que o assunto apareceu nessa novela, acompanhei fielmente o desenrolar da história e vou contar, para quem não viu, como os capítulos fluíram.

A atriz Amanda Godoi dá vida para sua personagem Nanda na trama.
Nanda, frequentemente acusada de ser "periguete" por pessoas ao seu redor (inclusive seu namorado) e, por vezes (muitas) acreditar que esse termo seja pejorativo para retratar sua liberdade pessoal de dançar, beijar quem quiser e usar as roupas nas quais se sente confortável, vive uma contradição interna entre ser quem realmente é ou ser quem os outros pressionam ela a ser, mesmo sendo uma personagem forte que, se fosse bem aprofundada na novela teen, teria bagagem para se tornar uma marca de empoderamento feminino e liberdade para todo o público alvo que a acompanha e também vive a dualidade de se sentir oprimida, sentimento muito comum entre adolescentes em vida escolar.

Recentemente, em um episódio da novela, Nanda resolveu fazer uma surpresa para o namorado, Filipe, enviando para o seu celular uma foto íntima, de calcinha de sutiã. Acontece que o namorado de Nanda esqueceu o celular em algum lugar qualquer e o Arthur (colega do casal), que encontra o celular, acaba vazando o conteúdo.


Muitas coisas passaram pela minha cabeça após ver que a novela estava abordando um assunto tão sério que, segundo dados, tem maior incidência entre meninas de 13 e 15 anos, justamente o principal público de Malhação.
Sendo assim, o mínimo que eu esperava da direção seria:

• Como agir juridicamente em caso de vazamentos de fotos, já que isso é um crime e o culpado pode e deve ser punido.
• Mostrar para todas as adolescentes que acompanham a novela e que, claramente, por serem tão jovens, não saberiam como lidar com a pressão social e enxergar que elas são vítimas de uma violência e não culpadas por terem seu conteúdo íntimo vazado. 
• Fazer-se entender que ser "periguete" não é errado e não é pejorativo, já que é um termo para caracterizar a mulher que tem liberdade sobre as suas ações e comportamento. E isso, de forma alguma, significa que essa mulher esteja dando espaço para ter seu conteúdo íntimo vazado.
• Mostrar ao público como lidar com os pais, os amigos, o namorado e mesmo com a sociedade em geral que tende a julgar e culpabilizar a vítima.
• Conscientizar a população de que compartilhar conteúdo íntimo vazado é uma forma de compactuar com um crime e nesse link fica claro o quão alarmante a situação é.

Preciso dizer que nenhum desses tópicos foram abordados dentro da novela. E que os personagens que usaram frases como "ela não devia ter enviado fotos" ou que sua atitude foi típica de "periguete" ficaram no ar, como se fossem meras opiniões. E culpar a vítima não é opinião, é apenas um julgamento raso e sem qualquer fundamento ou empatia com o ser humano que está sofrendo e se sentindo oprimido, exposto e humilhado.

A novela foi pobre no desenvolvimento de seu enredo e na abordagem do conteúdo, para não falar mais, e com certeza colaborou para potencializar a cultura da culpabilização da vítima que, infelizmente, se tornou algo naturalizado entre a população. E principalmente a população jovem que deveria estar recebendo material informativo de qualidade.

Pensei que talvez eu estivesse problematizando demais algo que não tenha muita importância. No entanto, depois de muita pensar, lembrei de casos onde adolescentes se suicidaram após terem suas fotos vazadas e onde meninas estavam apanhando de seus pais por terem tido suas fotos espalhadas pela internet. Isso é suficiente para perceber que alguma coisa está errada e que os meios de comunicação com maior alcance apenas aumentam os pré conceitos e a falta de profundidade das informações e entretenimento que chegam até o público.

E, pouco tempo depois, fiquei sabendo que a novela começou a abordar outro tema tão complexo quanto, o HIV, insistindo em pautar os capítulos da novela em assuntos profundos, mas abordados como se fossem piscinas de plástico para bebês.
Mas esse assunto fica para outro post. Vou deixar aqui apenas uma pequena declaração da Mãe do cantor Cazuza:

"Depois de 30 anos de trabalho para combater o preconceito e informar corretamente as formas de transmissão do HIV, vemos um programa destinado ao público jovem aconselhar soropositivos a não praticar esportes, a mostrar um médico receitar medicamento antirretroviral numa situação onde dois jovens dão uma cabeçada é no mínimo de chorar."

Caso você esteja passando por alguma violência online, como chantagem e exposição de conteúdo, acesse o Think Olga para saber sobre os seus direitos. 

Nota simpática: Ao abordar assuntos de tamanha profundidade, favor não serem rasos :-)